Publicado em 27/04/2022 às 09:30, Atualizado em 27/04/2022 às 13:49

Policiais festejaram propina recebida para liberação de carreta em MS

São acusados de concussão, peculato e tráfico de drogas

Da Redação,
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Policiais civis comemoraram com churrasco e cerveja, nas dependências da 2ª Delegacia de Polícia de Ponta Porã, cidade localizada na região de fronteira com o Paraguai, a propina que receberam para liberar uma carreta Scania roubada no Rio de Janeiro e apreendida na fronteira de Mato Grosso do Sul com o País vizinho.

Depois de pagarem R$ 4 mil em dinheiro e R$ 1 mil via Pix para a conta de um dos policiais, os proprietários do veículo ainda estavam nas dependências da delegacia, localizada no Jardim Vitória, quando a carne e a bebida chegaram.

Enquanto aguardavam o encaminhamento dos documentos necessários para a liberação da carreta, os proprietários observaram servidores conduzindo caixas de cerveja, carnes e utensílios para realização do churrasco dentro da repartição pública. No entendimento das vítimas, os policiais utilizaram parte do dinheiro para comprar os produtos usados na festa.

Os detalhes apurados pelo site Campo Grande News fazem parte de investigações do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado), do Ministério Público de Mato Grosso do Sul.

Nesta segunda-feira, dia 25 de abril, o grupo desencadeou em Ponta Porã a “Operação Codicia” (ganância, em espanhol) para cumprir oito mandados de prisão preventiva, um mandado de prisão temporária, uma medida cautelar e 16 mandados de busca e apreensão contra policiais civis da ativa e aposentados.

Eles são acusados de concussão (usar o cargo público para obter vantagem indevida), peculato (se apropriar ou desviar bem público) e tráfico de drogas desviadas do depósito da Polícia Civil em Ponta Porã.

O Gaeco não divulgou nomes dos suspeitos, mas a reportagem apurou que entre os investigados, estão o policial civil aposentado e atual vereador de Ponta Porã Marcos Bello Benites (PSDB), o delegado Patrick Linares da Costa (que chefiava a 2ª DP), Adriana Jarsen, Jonathan Pontes Gusmão, Mauro Ranzem, Márcio André Molina, Rogério Insfran (perito), Valdinei Peromalle e a escrivã aposentada identificada apenas como Doelza.

“Faz um Pix” – A propina exigida pelos policiais civis para liberar a carreta Scania, roubada no dia 5 de abril de 2021 em Queimados (RJ) e recuperada no dia seguinte pela PRF (Polícia Rodoviária Federal) no município de Ponta Porã, foi o estopim para a investigação.

Parte do valor cobrado – R$ 1 mil – foi paga através de Pix para a conta bancária de um dos escrivães envolvidos. A quebra de sigilo bancário provou que o mesmo servidor fez depósito em dinheiro vivo na conta, dias após a devolução da carreta.

Após receber a denúncia, o Gaeco mandou equipe até Santa Catarina para pegar o depoimento dos proprietários da carreta. Eles contaram que após serem informados pela PRF sobre a recuperação do veículo, pegaram estrada com destino a Ponta Porã.

No trajeto, segundo relatório do Ministério Público, os dois proprietários pararam em posto policial no Paraná e foram orientados a procurarem em Ponta Porã uma escrivã aposentada, que auxiliaria na restituição do veículo.

Em contato pelo WhatsApp, as vítimas foram orientadas pela escrivã aposentada a irem até a 2ª Delegacia de Polícia de Ponta Porã e procurar outro escrivão do esquema. Quando chegou na delegacia, no dia 8 de abril, o casal foi recepcionado por outro policial e depois, passou a ser atendido também pelo escrivão indicado pela servidora aposentada.

Durante a conversa, o escrivão disse ao proprietário que a carreta só seria liberada com um “agrado” para o delegado de polícia. O casal então informou aos policiais que tinha apenas R$ 300 disponíveis, já que teria gasto com a viagem. O escrivão teria reagido com desdém, dizendo que por esse valor, eles não levariam nem as chaves do caminhão.

Em seguida, o escrivão saiu da sala dizendo que iria conversar com o delegado de polícia. Ao retornar, afirmou que a autoridade policial só liberaria o veículo mediante pagamento de R$ 20 mil. Sem saída e assustadas, as vítimas contaram que tinham naquele momento R$ 4 mil, dinheiro que seria usado para as despesas da viagem e para a aquisição de alguns itens da carreta, necessários para o deslocamento.

O escrivão achou a quantia baixa. O dono do caminhão informou que tinha mais R$ 1 mil na conta corrente. Ele foi orientado a transferir o valor por Pix para a conta do policial e deixar os R$ 4 mil em espécie em cima da mesa.

Segundo o Ministério Público, a quebra de sigilo bancário do escrivão revelou que no dia 13 de abril de 2021, cinco dias após receber a vantagem indevida, R$ 3.300 foram depositados em sua conta no Banco do Brasil.

O escrivão ainda teria mencionado às vítimas que deveriam fazer uma transferência diretamente para a escrivã aposentada por ela ter auxiliado nos trâmites para a liberação do caminhão. O termo de entrega do veículo foi assinado pelo proprietário, pelos dois policiais que atenderam o casal na delegacia e por um delegado (que não foi alvo dos mandados cumpridos ontem).

“Depenado”

Quando receberam o caminhão, os proprietários perceberam ausência de várias peças, como pneus, catracas e outras que estavam visíveis nas fotos enviadas pela PRF logo após a apreensão.

Até o enfeite do para-brisa e a antena do rádio amador foram retirados. A suspeita é que as peças tenham sido retiradas no pátio da 2ª Delegacia de Polícia. Questionado pelos proprietários, o escrivão culpou funcionários de empresa de guincho e disse que a prática é costumeira.

Outro detalhe revelado pelos donos da carreta é que o escrivão se irritou quando eles disseram que a devolução deveria ser feita pelos policiais rodoviários federais responsáveis pela apreensão. Constrangidas, as vítimas decidiram não prosseguir com a questão e aceitaram pagar a propina.

Quando já estavam em Santa Catarina, os proprietários afirmam terem recebido do escrivão uma imagem via WhatsApp com os dizeres 'Qualquer pessoa que nunca cometeu um erro, nunca tentou nada de novo'. Eles interpretaram a mensagem como ameaça para ficarem em silêncio sobre os crimes praticados na delegacia.