Publicado em 08/02/2023 às 00:16, Atualizado em 08/02/2023 às 04:21
Apesar de ilegal, venda é prática comum na internet e com faixas anunciando contatos para compra
A compra e venda de pontos da CNH (Carteira Nacional de Habilitação) para evitar a suspensão do documento transformou o ato legal de transferências de infrações em um mercado lucrativo e fora da lei, inflacionado ano a ano.
No Facebook, a compra e venda dos pontos é cada vez mais comum. Os valores são definidos de acordo com o número de multas e com a precificação de cada “hospedeiro', pessoas que assumem os pontos alheios. Para assumir 10 pontos na carteira, os vendedoras do “espaço' cobram até R$ 150, conforme anúncios na rede social.
A reportagem apurou em grupos privados no site e conversou com administradores e vendedores. Em uma das páginas, que possui 4,3 mil participantes de todo País, os anúncios são diversos e abrangem pontos de todas as categorias da CNH.
“O valor depende muito. Normalmente, é R$ 20 por ponto. Quando a gente pega muito ponto, 20 ou 30 pra cima a gente consegue dar um abatimento. Sempre fiz dessa forma, principalmente se for pela CNH digital', comentou um dos administradores.
O homem trabalha como hospedeiro há três anos e acredita que o ato é regular. “Só é considerado fraude se você assinar por mim, mas como a CNH é minha mesmo, minha assinatura, tudo certinho é tranquilo. Por isso, falamos pra galera fazer com os administradores, eu e um outro, com a gente é certo', disse.
Já um outro hospedeiro comentou à reportagem que trabalha há oito meses no mercado. “Tem gente que trampa com a CNH, viaja, então não pode perder. Eu assumo porque mal uso e a 'city' que eu moro é pequena, é de boa. É um mercado bom, mas perde a CNH com o tempo. Tem que fazer reciclagem um monte de fita futuramente. Eu pego bastante ponto daí. Tenho umas 8 ou 10 multas de MS', pontuou.
Valores - Das quatro pessoas que fazem a prática ilegal, três delas pediram R$ 150 para assumir 10 pontos na CNH. Uma delas explicou que cobra R$140,00 por 7 pontos.
Crime - O costume de transferir pontos normalmente é realizado por pessoas de uma mesma família que precisam destinar as multas a terceiros para não sofrerem penalidades. Apesar de parecer regular perante a lei, o ato é considerado um crime de falsidade ideológica, inclusive, passível de multas e reclusão de 1 a 5 anos.
Ao Campo Grande News, o especialista em trânsito Carlos Roberto Pereira, de 60 anos, ressaltou que a conhecida transferência de pontos é admitida na legislação, desde que a infração seja realizada à parte da abordagem de trânsito, nesse caso o condutor pode assumir a multa ou indicar terceiros posteriormente.
O que era uma possibilidade de minimizar injustiças abriu brecha para a falsa identificação de condutores, uma vez que a nomeação de outros motoristas pode ser feita de maneira ilegal e inverídica, através da compra e venda de pontos tanto pessoalmente quanto na internet.
“Acontece que a indicação fraudulenta é sim crime de trânsito, prevista pelo código penal, no artigo 299. Porque caracteriza uma falsidade ideológica, com a possibilidade de pena de reclusão de 1 a 5 anos para quem está envolvido nessa prática criminosa. O crime é inserir informação falsa e não precisa da falsificação na assinatura', disse.
Hospedeiros - O especialista alerta que as pessoas que vendem e compram são conhecidas como hospedeiros, ou seja, condutores com milhares de pontos no prontuários do RENAINF (Sistema Registro Nacional de Infrações de Trânsito).
“Não existe um limite para pontos que lançam lá, não há uma restrição técnica no sistema de quantos pontos podem ser lançados na CNH. Então você pode receber cinco de um, sete de outro e quando vê está com 300 pontos comprados. O Detran identifica essas anomalias e informa o Ministério Público', afirmou.
Carlos acrescentou que quando o condutor atinge 20 pontos na carteira, o correto é que ele procure o centro de formação de condutores para fazer o curso de reciclagem e depois volte à condição de motorista regular.
“Não fazer esse absurdo que é uma via criminosa procurar alguém para fazer essa transferência. Há uma sensação de que isso é permitido, mas isso não pode acontecer. Em Mato Grosso do Sul existe uma corregedoria que fiscaliza, ou o próprio MP'.
O especialista evidenciou que a ação “inocente' causa diversas rachaduras no conjunto de trânsito, “isso prejudica todo o sistema de trânsito. O juiz pode trazer para o processo penal o nome de quem fez a indicação fraudulenta, quem aceitou e quem intermediou. O alerta é esse, tanto empresa, quem faz anúncio, quem solicita e até órgão de trânsito, se envolvido, podem ser penalizados', disse.
Detran - Contradizendo o que o especialista Carlos Roberto Pereira afirmou sobre a fiscalização ser feita pelo Detran, o Departamento de Trânsito de Mato Grosso do Sul explicou que o trâmite de transferência de pontos é feito entre condutor infrator e terceiros e que o órgão não faz a inspeção no sistema. Confira a nota na íntegra:
'A identificação de condutor infrator, usado para transferência de pontuação na CNH, é assegurado por lei e por ser um ato envolvendo diretamente o proprietário e o condutor do veículo identificado no auto de infração, não cabe ao Detran/MS fiscalizar o procedimento', disse.
Créditos: Campo Grande News