Publicado em 14/12/2020 às 16:05, Atualizado em 08/11/2022 às 19:35
Vereador de Maracaju tem registro cassado por abuso de poder político e econômico
O vereador em Maracaju, presidente da câmara municipal, Hélio Albarello (MDB) foi cassado e ficará inelegível por decisão Juiz da 16ª Zona Eleitoral de Maracaju (TRE/MS), Marco Antônio Montagnana Morais, pela prática das condutas de captação ilícita de sufrágio e de abuso dos poderes político e econômico, em razão de ter convertido seu salário dos meses de abril, maio e junho do ano em curso em cestas básicas e feito doação à população.
Segundo a decisão para o vereador diz o seguinte: "b) para o réu, Hélio Albarello: a NULIDADE dos votos recebidos; a CASSAÇÃO do REGISTRO de candidatura e sua INELEGIBILIDADE pelo prazo de 08 (oito) anos subsequentes às Eleições de 2020.
Vistas ao Ministério Público Eleitoral para conhecimento e providências que entender cabíveis. Publique-se. Registre-se. Intime-se.
Após o trânsito em julgado e as devidas anotações, arquivem-se." A decisão ainda cabe recurso.
Confira abaixo:
* TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE MATO GROSSO DO SUL CARTÓRIO DA 016a ZONA ELEITORAL DE MARACAJU MS
AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL n.o 0600221-43.2020.6.12.0016
REPRESENTANTE: COLIGAÇÃO MAIS DESENVOLVIMENTO, MAIS EMPREGOS E MAIS FUTURO
Advogado do REPRESENTANTE: ALESSANDRE VIEIRA - MS6486
REPRESENTADO: MARINICE AZEVEDO PENAJO, HELIO ALBARELLO
Advogado do REPRESENTADO: JOSE LUCAS DE MELLO CUBAS - MS24420
Sentença
Cuida-se de Ação de Investigação Judicial Eleitoral ajuizada pela Coligação Mais
Desenvolvimento, Mais Empregos e Mais Futuro em face de Marinice Azevedo Penajo e Hélio Albarello, vereadores de Maracaju e candidatos à reeleição, pela prática das condutas de captação ilícita de sufrágio e de abuso dos poderes político e econômico, em razão de terem eles convertido seus salários dos messe de abril, maio e junho do ano em curso em cestas básicas e feito doação à população.
Aduz que os representados realizaram a conversão de salários em cerca de 150 (cento e cinquenta) cestas básicas distribuídas aos munícipes, sob a alegação de buscarem ajudar a população devido à crise causada pela pandemia do Coronavírus.
Sustenta a notoriedade do fato, amplamente divulgado nos veículos de comunicação, notadamente pelos sites "Tudo do MS", "Maracaju em Foco" e "Notícias MS", com vídeo e matérias nas quais constam a representada Marinice Azevedo Penajo e ao representado Hélio Albarello comprometendo-se com a doação em questão.
Apresenta links de matérias, comprobatórias da promessa cumprida, enfatizando a potencialidade do ato praticado e consequente ofensa à igualdade que deve pairar entre os candidatos, já que, no contexto apresentado, valeram-se de condições funcionais para obter benefício no pleito que se avizinhava.
Pleiteia assim o reconhecimento da prática de captação ilícita de sufrágio, abuso de poder político e corrupção eleitoral, fixação de multa e pena de cassação de seus registros ou diplomas.
Por seu turno, a defesa (ID 24847791) reconhece que cerca de 150 (cento e cinquenta) cestas básicas foram adquiridas pela investigada Marinice Azevedo Penajo e disponibilizadas à Comunidade Evangélica Rompendo em Fé - Maracaju/MS, nos meses de março, abril e maio do ano em curso, visando suavizar o momento crítico que os mais necessitados atravessavam em razão da pandemia.
No que tange ao investigado Hélio Albarello, informa a defesa que ele foi orientado por sua assessoria jurídica a não realizar as doações em decorrência de vedações legais no período eleitoral, e alega que o representado acatou a orientação. Sendo assim, aduz que ele não praticou nenhum tipo do assistencialismo.
Por fim, pleiteiam a total improcedência da pretensão do requerente.
Em memoriais, o requerente ratificou os termos inicial (ID 37313401), enquanto o representante do Ministério Público (ID 37560552) manifestou-se pela improcedência da presente representação.
É o relatório.
Decido.
O processo comporta julgamento antecipado, nos termos do art. 355 do Código de Processo Civil, eis que as provas necessários para o julgamento do mérito já se encontram juntadas aos autos,
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não sendo necessária a dilação probatório - até porque nenhuma testemunha foi arrolada pelas partes.
O requerente atribui aos requeridos a prática das infrações de captação ilícita de sufrágio e de abuso dos poderes político e econômico, em razão de terem eles, na condição de vereadores deste município, convertido seus salários em cestas básicas e doado as mesmas à população, isso nos meses de abril, maio e junho do presente ano, com o objetivo de promoção pessoal e visando a obtenção de votos.
A doação de 150 (cento e cinquenta) cestas básicas pelos requeridos restou devidamente comprovada nos autos, conforme se verifica por meio dos documentos juntados pelo requerente, consistente no vídeo (ID 19079248) e demais matérias publicadas em vários sites (ID 19081279, 190881280, 19081802 e 19081806).
A requerida Marinice Azevedo Penajo admitiu ter realizado as doações para os cidadãos durante a pandemia do Coronavírus, tendo inclusive afirmado à época que não pretendia ser candidata a reeleição - o que, no futuro, mostrou-se falso.
A alegação de que teria disponibilizado as cestas básicas à Comunidade Evangélica Rompendo em Fé - Maracaju para repasse à população carece de suporte probatório, primeiro porque a representada não trouxe aos autos qualquer prova nesse sentido, e segundo porque o vídeo (ID 19079248) e as reportagens colacionadas (ID 19081279, 190881280, 19081802 e 19081806) em nenhum momento citam que a distribuição das cestas básicas deu-se por meio de referida instituição.
Já o requerido Hélio Albarello, como se anotou linhas acima, negou ter realizado a doação de cestas básicas. Entretanto, a conduta irregular a ele atribuída restou, para os fins deste processo, devidamente caracterizada, uma vez que ele não só apareceu nas reportagens como também concedeu entrevistas afirmando que realizaria a doação de cestas básicas, e que iria apoiar a compra de máscaras e outros equipamentos de proteção individual ao Hospital Soriano Corrêa, senão vejamos: "Doação de Salário: Vereadores Hélio Albarello e Marinice Penajo destinarão cestas a 150 famílias em situação de vulnerabilidade" (ID 19081280); "Iniciativa é em prol de famílias em situação de vulnerabilidade social e do Hospital Municipal Soriano Corrêa da Silva. Vereador Hélio Albarello uniu forças e também fará doação" (ID 19081802).
É fato público e notório que a pandemia do Coronavírus causou impacto mundial e nacional, afetando a saúde e a vida de milhares de brasileiros, ocasionando grave crise econômica e situação de vulnerabilidade às pessoas, inclusive à população maracajuense.
Lado outro, é cediço que a lei eleitoral veda a distribuição gratuita de bens pela administração pública em ano eleitoral, com ressalva aos casos de estado de emergência ou calamidade pública. Ocorre, no entanto, que a distribuição gratuita de bens subvencionados pela administração pública não pode ser realizada com o fito de proporcionar a promoção de candidatos ou partidos.
A administração pública deve ser impessoal e nada deve ser feito com o objetivo de se promover individualmente. Ora quem quer ajudar, não precisa fazer divulgação de seus atos. Sendo assim, resta evidenciado nos autos a conduta de promoção pessoal dos requeridos ao realizar a ampla divulgação da doações de cestas básicas à população de Maracaju com fins eleitorais.
O ponto primordial da presente representação consiste em saber se houver a prática de conduta vedada caracterizada pela captação ilícita de sufrágio, abuso dos poderes político e econômico. O ilícito previsto no art. 41-A da Lei n° 9.504/97 objetiva a preservação da ética no processo eleitoral, proibindo que o candidato doe, ofereça, prometa ou entregue ao eleitor, com o fim de obter o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil UFIR, e cassação do registro ou do diploma.
O crime eleitoral acima tipificado exige que a conduta seja praticada por candidato, ou seja, deve ser realizada após seu registro de candidatura até o dia da eleição. Cabe ressaltar que na época do fato os requeridos ainda não eram formalmente candidatos à reeleição ao cargo de
vereador. Sendo assim, a conduta por eles praticada não se amolda a figura típica da captação ilícita de sufrágio.
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Todavia, impõe-se salientar que o réu, via de regra, defende-se dos fatos que lhe são imputados e não propriamente de sua capitulação legal. Por esse prisma, em que pese a conduta
de capitulação ilícita de sufrágio não ter restado devidamente caracterizada nos presentes autos, resta analisar se o ato praticado pelos requeridos não caracteriza a existência de outra figura típica.
A propósito, reza a Súmula TSE n° 62: "Os limites do pedido são demarcados pelos fatos imputados na inicial, dos quais a parte se defende, e não pela capitulação legal atribuída pelo autor"
A Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), como é cediço, possui como finalidade a preservação da normalidade e legitimidade das eleições. Vale ressaltar que o E. Tribunal Superior Eleitoral já manifestou que o termo inicial para o seu ajuizamento é o registro de candidatura, admitindo-se o exame de fatos ocorridos antes desse período, como se verifica no presente caso. O entendimento jurisprudencial corrobora trazendo:
"Eleições 2012.Recurso especial eleitoral. Ação de investigação judicial eleitoral. Candidatos a prefeito e vice. (...) 6. O
abuso do poder político pode ocorrer mesmo antes do registro de candidatura, competindo a esta Justiça especializada verificar evidente conotação eleitoral na conduta, com a transferência fraudulenta, que somente pode acontecer antes do fechamento do cadastro eleitoral, no mês de maio do ano da eleição, nos termos do art. 91 da Lei n° 9.504/97, segundo o qual "nenhum requerimento de inscrição eleitoral ou de transferência será recebido dentro dos cento e cinquenta dias anteriores à data da eleição". Precedentes (...)" (TSE - REspe n°68.254/MG - DJE t.35, 23/02/2015)
"(...) I - Admite-se a ação de investigação judicial eleitoral, fundada no art. 22 da LC n° 64/90, que tenha como objeto o abuso ocorrido antes da escolha e registro do candidato (REspe n° 19.502/GO - Rel. Min. Sepúlveda Pertence - Dj 1o/04/2002).
Para a Justiça Eleitoral, o abuso do poder econômico é a utilização excessiva, antes ou durante a campanha, de recursos financeiros ou patrimoniais que busquem beneficiar candidato, partido ou coligação, afetando a equidade e legitimidade do pleito.
Já o abuso do poder político ocorre quando os agentes públicos se valem da condição funcional para beneficiar candidaturas. Para sua caracterização, é essencial demonstrar a participação de ocupante de cargo ou função na Administração Pública direta, indireta ou fundacional.
Sobre o assunto, o doutrinador Caramuru Francisco Afonso nos ensina que: "Em época eleitoral, porém, mister se faz que o exercício deste cargo ou função seja limitado com o fim de impedir que haja influência do governante sobre o processo eleitoral, uma tendência sempre presente em se tratando de política, cujo fim, já dizia Maquiavel, é a conquista e a conservação do poder". (FRANCISCO, Caramuru Afonso. Dos abusos nas eleições: a tutela jurídica da legitimidade e normalidade do processo eleitoral. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2020, p. 77)
Nesse horizonte, entendo que a conduta praticada pelos Requeridos Marinice Azevedo Penajo e Hélio Albarello, ambos vereadores deste município, consistiu na conversão de seus salários para distribuição de 150 (cento e cinquenta) cestas básicas para a população maracajuense, nos meses de abril, maio e junho do ano em curso, conduta essa praticada com nítido e inquestionável viés eleitoral, uma vez que não se tratava sequer de programa social realizado
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pela Administração Pública, sendo ela amplamente divulgada na internet.
Restou, portanto, na visão deste Juízo, devidamente caracterizado o abuso do poder econômico e político por parte dos requeridos, que se utilizaram de suas posição na vereança para realizar a conversão de seus "salários", pagos pelos cofres públicos, na distribuição de 150 (cento e cinquenta) cestas básicas à população, visando obter inegável promoção pessoal para obtenção de votos.
Trata-se, portanto, de conduta grave e com efetivo potencial de atingir o equilíbrio entre os candidatos que almejavam o cargo de vereador da Câmara Municipal, com alta probabilidade
de influência na consciência e vontade dos eleitores diante da prática de assistencialismo amplamente divulgado.
Nem se diga que o requerido não praticou o ato diante do aconselhamento obtido junto à sua assessoria jurídica, pois, repito, as matérias veiculadas em sites locais de notícia dão conta do seu ânimo de aderir à conduta, ao que parece, planejada inicialmente pela requerida. Aliás, a concessão de entrevista do requerido confirmando a prática da doação está em sentido diametralmente oposto à defesa apresentada nestes autos.
Se o requerido realmente tivesse sido demovido da ideia de praticar a doação por seus advogados, impunha-se-lhe desmentir a notícia nos veículos de imprensa - o que, por óbvio, arranharia a sua imagem perante o eleitorado.
Vale dizer, admitindo-se, por mera e remota hipótese, e a título de simples argumentação, que o requerido realmente não tenha levado a efeito a doação, o simples fato de ter aparecido na mídia divulgando o seu gesto de ajuda à população mais carente (não desmentido por ele mesmo depois de supostamente advertido por seus advogados), tem o inegável efeito de, no caso concreto, caracterizar a prática de abuso de poder político e econômico.
Ante o exposto, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil e art. 22 da Lei Complementar n° 64/90, JULGO procedente a presente AIJE para condenar os requeridos pela prática de abuso dos poderes político e econômico, DETERMINANDO:
a) para a ré, Marinice Azevedo Penajo: a NULIDADE dos votos recebidos; a CASSAÇÃO do REGISTRO de candidatura e sua INELEGIBILIDADE pelo prazo de 08 (oito) anos subsequentes às Eleições 2020;
b) para o réu, Hélio Albarello: a NULIDADE dos votos recebidos; a CASSAÇÃO do REGISTRO de candidatura e sua INELEGIBILIDADE pelo prazo de 08 (oito) anos subsequentes às Eleições de 2020.
Vistas ao Ministério Público Eleitoral para conhecimento e providências que entender cabíveis. Publique-se. Registre-se. Intime-se.
Após o trânsito em julgado e as devidas anotações, arquivem-se.
MARACAJU, MS, 25 de novembro de 2020.
Dr. MARCO ANTÔNIO MONTAGNANA MORAIS Juiz da 016a ZONA ELEITORAL DE MARACAJU MS
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