Publicado em 05/10/2021 às 14:35, Atualizado em 05/10/2021 às 18:47

Custo médio de preso é quase 8 vezes maior que de aluno em Mato Grosso do Sul

Gasto para criação de vaga em presídio é de R$ 32 mil, enquanto alunos têm despesa média anual de R$ 5 mil

Por Daiany Albuquerque , Via Correio do Estado
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Em Mato Grosso do Sul, o custo médio de um aluno do Ensino Fundamental ou Médio varia entre R$ 4.040,00 e R$ 5.252,00 por ano, de acordo com a Portaria Interministerial nº 3, de 2020, que trata sobre o valor a ser investido na educação.

Esse valor é quase oito vezes menor do que o custo que um novo detento tem para o Estado – cerca de R$ 32 mil –, segundo o Relatório de Auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU).

Além disso, há o valor anual para a manutenção do preso no sistema prisional do Estado, que, conforme o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud/ONU), é de R$ 30 mil no Brasil.

A disparidade mostra, segundo o defensor público e coordenador do Núcleo Institucional Criminal (Nucrim), Gustavo Henrique Pinheiro da Silva, um reflexo direto no perfil dos detentos.

Segundo o último mapa prisional divulgado pela Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário (Agepen) em agosto deste ano, Mato Grosso do Sul tinha 20.833 detentos.

Dos quais 13.444 homens e 901 mulheres estavam condenados em regime fechado; 3.943 homens e 224 mulheres no regime semiaberto ou aberto; e outros 2.476 estavam sendo monitorados por meio de tornozeleira eletrônica.

O número é quase três vezes maior do que o total de vagas no sistema prisional de Mato Grosso do Sul, que tem 9.995, ou seja, a cada nova vaga que precisou ser criada para comportar esses detentos, cerca de R$ 32 mil foram gastos.

“Assim, verifica-se que ‘investimos’ cerca de oito vezes mais para encarcerar as pessoas do que para educá-las, e essa baixa escolaridade tem reflexos diretos na renda pessoal. É possível notar efeitos diretos na baixa escolaridade e baixa renda com o maior encarceramento das pessoas', declarou o defensor.

A pesquisa feita pela Defensoria Pública começou a ser realizada este ano e coletou dados de março a agosto. Em uma de suas vertentes, ela mostra que a maioria das pessoas que foram presas neste período de seis meses (1.350) e passaram por audiência de custódia (quando um juiz decide se aquela prisão será mantida ou se o detento pode responder ao suposto delito em liberdade) tinha cometido crimes sem violência ou grave ameaça, aproximadamente 88%, e 70% eram pessoas consideradas primárias.

Para o defensor, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação destaca que a educação básica tem por finalidade desenvolver o educando e assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania.

“A interrupção dos estudos, ainda na fase da educação básica, pode ter por consequência a formação insuficiente do indivíduo em sua condição humana, compreensão dos valores que fundamentam a vida em sociedade, a formação ética e o pensamento crítico', disse.

5.403 internos

Dos 20.833 presos do Estado, a Capital tem, segundo o último mapa prisional divulgado pela Agepen, 5.433 detentos em regime fechado, dos quais 5.129 são homens e 304 mulheres; outros 1.510 homens e 133 mulheres estão no regime semiaberto ou aberto.

CASO

A relação entre o baixo investimento e o mundo do crime pode ser facilmente retratada por um dos casos atendidos pela Defensoria Pública nesse recorte dos seus últimos meses. Um jovem de 19 anos, que foi preso em abril deste ano suspeito de tentar furtar uma motocicleta na região central de Campo Grande.

Segundo o processo, a moto estava com a chave na ignição e quando o rapaz se aproximou dela foi abordado e acabou preso em flagrante. Esse jovem contou que tinha o Ensino Fundamental incompleto e trabalhava em uma borracharia, onde ganhava R$ 900 por mês.

Mesmo sendo primário, o rapaz teve a prisão preventiva decretada em audiência de custódia, gerando um custo de R$ 32 mil, além do valor para sua manutenção no Presídio de Trânsito de Campo Grande. No início de agosto de 2021, depois de três meses preso, o rapaz foi absolvido e só então foi determinada a sua soltura.

“É interessante notar que a motocicleta que teria sido objeto da suposta tentativa de furto era avaliada em cerca de R$ 2.500,00. O jovem apontado como suposto autor permaneceu preso por mais de três meses. Estima-se que tal encarceramento desnecessário tenha custado ao Estado mais de R$ 7.500', diz o defensor.

O levantamento ainda tem outros dados a serem expostos em outras matérias, mas a pesquisa pretende, segundo Silva, “fomentar raciocínio crítico em relação à situação atual e os sistemas prisional e de Justiça'.

“As pessoas precisam ser mais críticas ao que tem acontecido, porque a gente tem prendido quase um público cativo, esse extrato social com pouca educação e mais humilde. Se não pararmos para refletir, vamos continuar perpetuando isso pelo menos ao longo da nossa geração', alertou o coordenador da pesquisa.