Publicado em 22/01/2021 às 17:50, Atualizado em 22/01/2021 às 21:54
Maior carga, de 556 quilos de cocaína, foi interceptada em maio de 2019; motorista confessou e livrou patrão, preso ontem
A Operação Viagem Santa, deflagrada na quinta-feira (21) pela Polícia Federal e pela Receita Federal em Dourados e Deodápolis, foi o desfecho de longa investigação iniciada ainda em 2018. O caso mostra até que ponto chega a criatividade dos traficantes para conseguir levar carregamentos de drogas da fronteira até os grandes centros do País.
Ônibus de turismo religioso saíram de Mato Grosso do Sul levando cargas milionárias de cocaína para São Paulo. Para despistar a polícia, os veículos viajavam lotados de católicos devotos de Nossa Senhora Aparecida, a padroeira do Brasil. Os fiéis viajavam com todas as despesas pagas pela quadrilha.
Mas o gasto com hospedagem e alimentação dos passageiros era irrisório perto do lucro que a organização criminosa conseguia com o transporte de droga. Tinha carregamento de cocaína beirando os R$ 20 milhões, como o descoberto por agentes da Polícia Federal e da PRF (Polícia Rodoviária Federal) em 26 de maio de 2019.
O esquema começou a ser investigado em dezembro de 2018 pelo serviço de inteligência da delegacia da PRF (Polícia Rodoviária Federal) em Dourados.
Em abril de 2019, o caso foi levado ao conhecimento da delegacia da Polícia Federal em Dourados. Um mês depois, em 26 de maio, a polícia pegou a primeira carga de droga escondida em ônibus da quadrilha.
O veículo da Prado Tur Viagens e Turismo transportando 28 passageiros foi parado no posto da PRF na BR-163, saída de Dourados para Campo Grande. Durante a vistoria, os policiais encontraram 556 quilos de cocaína pura em fundo falso sob o compartimento superior de passageiros.
Levando em conta o valor do quilo da cocaína pura em São Paulo, em torno de 6 mil dólares, a carga seria entregue na capital paulista por quase R$ 20 milhões. Entretanto, a polícia acredita que o destino final seria a Europa, onde a droga chegaria de navio. Há fortes indícios do envolvimento de facções criminosas no esquema.
Heleno Jordão da Silva, 40, um dos motoristas do ônibus, disse que deixaria os passageiros na basílica de Aparecida e entregaria a cocaína na mesma cidade, para ganhar R$ 10 mil pelo serviço.
O outro motorista, Nelson Dias Rocha, 51, alegou não saber da existência da droga e disse que receberia R$ 100 de diária pelo serviço de motorista. Era a terceira vez que ele prestava serviço para a empresa. Os dois foram presos em flagrante.
Informalmente, Heleno disse a um dos policiais responsáveis pela apreensão da cocaína que Nelson estava, sim, envolvido com o tráfico, assim como o dono da Prado Tur, Janqui Fernandes Prado.
Entretanto, no depoimento formal, Heleno mudou a versão e assumiu sozinho a responsabilidade pela droga, alegando ter sido contratado por um homem de Ponta Porã para levar a cocaína até Aparecida. Ele disse que tinha escondido a droga no ônibus na madrugada daquele dia.
Nelson foi absolvido por insuficiência de provas e Heleno condenado a dez anos e oito meses de reclusão. Ele recorreu ao Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul e conseguiu reduzir a pena para sete anos e nove meses de prisão. A decisão do Tribunal foi publicada em 9 de junho de 2020.
Passageiros – Interrogados como testemunhas na ação penal sobre a apreensão da droga, os passageiros do ônibus confirmaram que viajavam totalmente de graça. Vários deles disseram que aquela era a segunda ou a terceira viagem a Aparecida, com tudo bancado pelo “pagador de promessas'.
Em juízo, dois fiéis contaram que o convite para a viagem gratuita tinha sido feito pelo motorista Heleno Jordão da Silva. Segundo a Polícia Federal, os passageiros eram recrutados em bairros de Dourados.
“Inocente' – Janqui Fernandes Prado, dono da Prado Tur, negou, em depoimento judicial, saber da existência de mais de meia tonelada de cocaína no fundo falso do ônibus da sua empresa. Na época, segundo a reportagem apurou, o Marcopolo Paradiso prata ano 2003 era o único ônibus da Prado Tur, empresa localizada na Rua Lambari, no Jardim Laranja Doce, bairro pobre da região leste de Dourados.
O empresário disse que Heleno era funcionário registrado há quatro anos e tinha total acesso à empresa e ao veículo. Segundo sua versão, Heleno era o responsável pelo frete e pela excursão daquele dia para Aparecida, “não tendo nenhuma ciência da droga nem de compartimento efetuado no veículo'.
Ao analisar o recurso apresentado pelo motorista Heleno Jordão da Silva pedindo redução da pena, o relator do caso, desembargador Luiz Gonzaga Mendes Marques, citou que o compartimento onde estava a cocaína foi “adredemente preparado', ou seja, foi instalado com antecedência para o transporte da droga.
“Apesar de Heleno ter assumido toda a prática delituosa, evidente que não conseguiria, sozinho, criar o compartimento, muito menos carregar tamanha quantidade de cocaína de uma caminhonete para o interior do veículo', citou o desembargador.
“Laranjas' – Ao investigar a Prado Tur, a polícia descobriu ligação da empresa com a Euro Tur, uma das maiores do ramo de turismo de Dourados. Janqui Fernandes Prado tinha sido motorista da Euro Tur. A Prado Tur e outra empresa – também de viagens e turismo – localizada no município de Deodápolis, seriam negócios de fachada da Euro Tur. Mandados também foram cumpridos ontem em Deodápolis.
Segundo a investigação, o dono da Euro Tur, José Pereira Barreto, é um dos principais cabeças da quadrilha. Entre os locais onde mandados foram cumpridos ontem na Operação Viagem Santa estavam o ponto de embarque da empresa na Rua Onofre Pereira de Matos e a garagem da Euro Tur, na Rua Araguaia.
José Barreto, conhecido como “Zé do Ônibus', foi o único dos dez alvos da operação que conseguiu escapar. Ele estaria viajando e não foi encontrado em casa. Janqui Prado, dono da Prado Tur, foi preso. Os nomes dos outros presos são desconhecidos. A PF não divulgou a identidade dos envolvidos.