Num relato emocionado, empresário de 50 anos, morador de Campo Grande, faz uma jornada pela dor que atingiu sua família quando se revelou que o avôdrasto, o esposo da avó materna das meninas, era um criminoso.
Chocado, descobriu que aquele cara fantástico, de 54 anos, profissional liberal, estudado e rico, abusou de suas filhas por quatro anos. Atualmente, as meninas têm 14 e 11 anos. A mais velha relatou que foi vítima desde os oito.
Até então, ele achava que violência sexual era um risco que se corria com estranhos, algo que nunca entraria pela porta da frente do seu lar abastado, com piscina, coleção de obras de arte e rotina incluindo passeios na fazenda e viagens. Porém, tudo caiu por terra quando a ex-esposa o procurou e disse: “Temos um problema”.
Antes de ser verbalizada, a violência se mostrou em mudança de comportamento das filhas. Nas palavras do pai, elas ficaram mal-educadas, mais agressivas, chorosas, se recusavam a ir para a casa da avó sem companhia de outros adultos e se mutilavam. Uma pequena ferida, como de picada de mosquito, por exemplo, era cutucada até o ferimento ir aumentando e aumentando.
Primeiro, o pai só pensou em vingança porque, inclusive, em conversas durante passeios, até tinha comentado com o homem que seria capaz de arrancar pedaço se alguém abusasse das crianças.
“Esse cidadão era casado com a mãe da minha ex-mulher. Conheceu as minhas filhas quando nasceram, carregou no colo. E abusou das crianças. Então, não é um caso isolado. Quando você começa a acompanhar, vê que as estatísticas mostram que 90% vivem debaixo do mesmo teto. Não é um estranho que abusa”.
Depois, o empresário contratou um advogado para assessorar o Ministério Público e decidiu buscar Justiça. “É um trâmite muito sofrido para quem está do lado de cá”, conta o empresário. E olha que ele tentou se afastar ao máximo do conteúdo da denúncia. Mas, mesmo preferindo não conhecer detalhes, numa estratégia de sobrevivência à dor, soube que a defesa do acusado alegou até que uma das crianças se insinuou para o adulto.
O homem logo teve a prisão decretada. “O poder público neste sentido é fantástico. Desde o agente que recebe na porta da delegacia. Tudo é com discrição máxima. A equipe é completamente preparada. E quando chega ao Judiciário, a resposta é rápida. Além da dedicação da força policial, a Polícia Militar, a Polícia Civil. O Fórum tem uma sala toda equipada e com psicólogos, que dão segurança para as crianças”, diz o pai.
Com a decretação da prisão, o autor fugiu e ficou foragido por 1 ano e três meses. Nesse período, se escondeu na Bolívia, Paraguai, Pantanal, Rio Verde de Mato Grosso, Coxim e Corumbá até ser preso na zona rural de Terenos. A situação deixou toda a família em alerta e com segurança particular reforçada.
Dever cumprido - A condenação do homem a 24 anos de prisão, publicada na semana passada, ajuda o pai a seguir em frente. “Foi uma festa dentro de mim. A sensação de dever cumprido. Você sente recompensado pelo sistema. Eu primeiro tinha pensado em vingança com a própria mão”.
Agora, o pai pretende liderar uma entidade para apoiar vítimas e familiares. “Para que as crianças sejam assistidas por psicólogos, psiquiatras. Sonho em fazer um projeto de acolhimento dessas crianças”.
Quanto às filhas, ele conta que seguem em tratamento com psicólogos. A palavra tem sido aliada. Escrever e falar ajuda as meninas. A violência, inclusive, foi tema da redação de uma das estudantes na escola. Pelo teor, a professora até comentou que ela não precisaria fazer a leitura para a classe, mas a aluna fez questão de contar em voz alta a própria história.
De acordo com o advogado Ewerton Bellinati da Silva, que atua como assistente da acusação, o homem foi condenado por estupro de vulnerável, previsto no artigo 217-A do Código Penal. A pena foi em relação a uma das vítimas. “O relato foi extremamente fidedigno e comovente”, diz o advogado.
“Estupro que não é estupro” - “Pela família? STJ atropela Código Penal e diz que estupro não é estupro”. A manchete de coluna no Canal Universa, no UOL, era sobre um caso de Minas Gerais. Mas dilacerou o coração do empresário. Afinal é essa mesma corte que julgará recursos no caso das filhas.
Indignado e com a voz embargada, ele conta que sofre ao não ver para a criança de 12 anos, violentada por um adulto de 20 anos e que acabou engravidando, a justiça que veio para as suas meninas, cujo abusador foi condenado a 24 anos de cadeia.
“A gente vê que a justiça está sendo feita, mas quando você vê uma situação dessas, você se preocupa. E se soltarem esse monstro? Essa decisão do STJ acendeu uma lei vermelha”, desabafa o pai.
Na semana passada, a Quinta Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu, por 3 votos a 2, inocentar do crime de estupro de vulnerável um homem de 20 anos que engravidou uma menina de 12 anos.
Conforme a Agência Brasil, os fatos ocorreram em Minas Gerais e foram denunciados pela mãe da menor. O homem chegou a ser condenado a 11 anos e 3 meses de prisão pela Justiça mineira, mas em segunda instância ele conseguiu afastar a ocorrência de estupro no caso, decisão que foi agora confirmada pelo STJ.
Na corte superior, prevaleceu a posição do relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, que votou contra a condenação. Ele afirmou ser necessária uma ponderação de valores, levando em consideração o Estatuto da Primeira Infância e o bem-estar da criança resultado da relação sexual, que disse ser “prioridade absoluta”.
O relator destacou que formou-se a união estável entre a menina e o homem, ainda que de forma inadequada e precoce, e apesar de já não mais conviver com a mãe do bebê, ele presta assistência à criança.
Para absolver o acusado, foi aplicado um conceito jurídico chamado “erro de proibição”, segundo o qual a culpabilidade de uma pessoa pode ser afastada se ficar demonstrado que ela praticou o ato sem saber que era proibido, ou seja, supondo estar agindo dentro da lei.
A lei - O Artigo 217-A do Código Penal prevê que qualquer relação sexual com menor de 14 anos é crime. O próprio STJ possui uma súmula jurisprudencial, aprovada em 2017, para confirmar que o estupro ocorre mesmo se houver consentimento da vítima e independentemente de seu passado sexual. -
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