Uma tradição curiosa é a de se roubar galinhas na Sexta-feira Santa. Um dia tão solene como este, considerado de luto por todos os católicos, ao mesmo tempo traz esse costume com jeito pagão e transgressor. A explicação me dada pelo sábio Benjamin é a de que as pessoas aproveitam o dia em que o Senhor está morto, de forma que não vê os pecados cometidos, para praticar pequenos delitos.

Hoje são poucos os praticantes. Muita gente não gosta da brincadeira, sobretudo as pessoas que tem seus animais capturados. O Flavinho Fióte, há pouco tempo atrás, amanhecia com espingarda em punho para proteger seus carneiros de raça da turma do Xixi Nakamura. A chácara de Dona Tabita e Seu Arnaldo Bombieres também era alvo fácil dos “malfeitores”.

Se na atualidade essa prática conta com poucos adeptos, no inicio da história de Ivinhema, ela era bem comum. O “roubo” acontecia entre amigos, que se valiam da esperteza para ludibriar os companheiros. Nos anos 70 o Chico Farias disputava com o Vilmar Pedroso quem era o mais esperto. O valente Farias falou em voz alta que por aqui não havia homem pra roubar galinha em seu sítio. 

Jogando truco na casa do Dr Valmir, junto com Seu Mário Pedroso, João Cunha, Leonel Garcia e Chico Farias, Vilmar não quis fazer parte da mesa, alegando forte dor de cabeça. Seu irmão médico lhe recomendou ir para casa e descansar. Ele saiu, mas na verdade foi para a casa de Farias e disse para Dona Nílcea, que o marido havia pedido quatro galinhas. Foi atendido prontamente. Voltando para o truco, desaforou o amigo lhe mostrando que conseguira lhe roubar.

Chico Farias concordou com a astúcia de Vilmar e fingiu ter encerrado o assunto. Na mesma noite foi até a chácara de Dona Bené e convidou o velho Evaristo, tocador de acordeom, para fazer uma serenata na casa de Vilmar. Cunha era o cantor. Estranhando a gentileza, Vilmar pediu para seu pai não sair de perto do chiqueirinho, onde estava engordando um porco. Sem a oportunidade de se aproximar do leitão, os seresteiros tiveram que partir com as mãos abanando. Quem ficou brava foi Dona Nícea, que fez os três voltarem e pegar o porco. Tocou para Cunha dar uma tijolada no animal e levar em seu Maveric verde para a casa de Dona Bené.

Quando Vilmar se deu conta do sumiço, correu para chácara da amiga, mas só encontrou  um pedaço de pelo malhado. O caso não acabou na delegacia porque a mulher de Cunha, Édma, convenceu seu compadre Vilmar de que seria muita vergonha para um mato-grossense denunciar um amigo por ter roubado um porco na Sexta-feira Santa. A tradição falou mais alto.

Por Ricardo Pieretti CâmaraJornalista, Doutor em Humanidades e Presidente da Fundação Nelito Câmara