Conforme dados do Radar SIT (Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil), até abril, 95 crianças e adolescentes, entre 6 e 17 anos, foram encontrados em situação de trabalho infantil em Mato Grosso do Sul. Segundo o MPT-MS (Ministério Público do Trabalho de Mato Grosso do Sul), até o momento, 52 notificações de situações de trabalho infantil foram denunciadas. Dessas, 12 fiscalizações foram feitas.
Os números são alarmantes, considerando que em 2023 o estado registrou 373 casos, o maior índice dos últimos sete anos.
No montante, de 2017 a 2024, 1244 crianças e adolescentes, entre 6 e 17 anos, foram encontrados em situação de trabalho infantil no estado.
Apesar dos dados, 2023 também foi o ano que Mato Grosso do Sul figurou como a unidade federativa brasileira que mais retirou crianças e adolescentes de situações de exploração do trabalho infantil, com 373 afastamentos, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego.
Das vítimas, a maioria era do gênero masculino. Em operação feita em 2022, por exemplo, do grupo de 200 crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil no Estado, 170 eram do sexo masculino e 4 tinham até 13 anos.
Em 2023, o MPT-MS registrou 89 denúncias envolvendo algum tipo de irregularidade no trabalho de crianças e adolescentes.
Trabalho infantil é crime?
Segundo a procuradora-chefe do MPT-MS, Cândice Arosio, na legislação, não é o trabalho infantil em si que se caracteriza crime, mas sim, a violação de diretos que crianças e adolescentes ficam sujeitos neste cenário, como abandono de incapaz, violência a integridade física, acidentes graves e privações à educação, por exemplo.
Por isso, a denúncia é tão importante. É após ela que o MPT-MS se encarrega em realizar um trabalho repressivo, faz apuração dos fatos por meio de uma investigação, identifica se o ‘empregador’ é uma pessoa ou uma empresa, qual a situação de trabalho que a vítima vive e então, realiza a busca e retirada da criança ou do adolescente do local.
O estado ocupa a 20° posição no ranking nacional, com 23.896 crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil.
Apesar disso, conforme dados da última PNAD IGBE, Mato Grosso do Sul está na 4ª posição de maior número de redução de trabalho infantil no Brasil – redução de 19,4% -, com um total de 5.753 crianças e adolescentes retiradas do trabalho proibido.
Atividades econômicas em que o trabalho infantil é mais comum
Quando se trata das atividades econômicas em que o trabalho infantil é mais comum, Mato Grosso do Sul apresenta dados semelhantes aos apontados nacionalmente.
Segundo a Secretaria de Inspeção do Trabalho, do Ministério do Trabalho e Emprego, os locais com maior frequência onde crianças e adolescentes foram encontrados em situação de trabalho infantil, em 2022, foram restaurantes e estabelecimentos e similares de alimentação (10%).
Entre 2017 e 2022, as atividades mais comuns citadas pela Fiscalização do Trabalho incluíam manutenção e limpeza de veículos automotores, assim como a operacionalização de máquinas com uso de solventes, óleo, ácidos e outros produtos químicos (17,9%).
“Na cidade, as atividades econômicas mais comuns são os trabalhos em ruas, em lanchonetes, pequenas fábricas, marcenarias… São trabalhos informais, muitas vezes, que acabam empregando crianças e adolescentes porque são mãos de obras baratas”, aponta Cândice.
Área rural
Mas, apesar disso, as atividades econômicas típicas da área rural são as mais comuns e as que mais ‘contratam’ trabalho infantil.
Para se ter uma ideia, conforme o Censo Agropecuário, Florestal e Aquícola, 2017 apontou a pecuária como atividade econômica com maior número de pessoas, abaixo de 14 anos, ocupadas em estabelecimentos agropecuários no estado de Mato Grosso do Sul, sendo Itaquiraí o município com maior número de casos registrados (700).
O período de referência para o estudo foi de 1º de outubro de 2016 a 30 de setembro de 2017.
“Situações de exploração do trabalho infantil são mais comuns em empresas que não têm o mínimo de estrutura. Mato Grosso do Sul já foi um grande foco do trabalho infantil por conta de usinas e carvoarias das cidades. O PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil) nasceu de uma situação dessas que aconteceu em carvoarias de Ribas do Rio Pardo, por exemplo”, explica a procuradora.
Conforme Cândice, os trabalhos na área rural são mais comuns pelo fato de muitos já morarem na região.
Em situações de denúncias, “em uma turma de 10 pessoas encontradas em situação precária de trabalho na área rural, 8 são adolescentes”.
Quando o trabalho infantil é permitido?
O trabalho só é permitido a partir dos 14 anos, quando já se é considerada pré-adolescência, porém, neste caso, apenas por intermédio da Lei do Jovem Aprendiz.
No entanto, não é qualquer empresa que pode contratar com o pressuposto de que o pré-adolescente está na empresa como jovem aprendiz.
Neste caso, existe um contrato que alinha a educação e profissionalização e a empresa precisa ter tudo formalizado.
Ou seja, parte do dia o pré-adolescente precisa estar matriculado em uma escola e na outra, estar em contato com uma empresa de integração escola-empresa.
Esta última, antes de empregar o jovem, vai ensinar a parte teórica para o ingresso ao mercado de trabalho.
“As empresas precisam ter em mente que precisam atender os requisitos de contrato de sistema, junto a empresa reguladora para que o contrato de aprendizagem seja válido”, explica a procuradora.
Trabalho análogo à escravidão
Segundo a procuradora-chefe, Cândice Arosio, os casos de crianças e adolescentes encontrados em situação análoga à escravidão diminuíram, mas ainda é comum.
Conforme o Observatório da Prevenção e da Erradicação do Trabalho Infantil, entre 2002 e 2023, 54 crianças e adolescentes resgatados do trabalho semelhante à escravidão declararam ter nascido em Mato Grosso do Sul e 57 afirmaram ainda morar no estado.
Nesta dimensão, dá-se ênfase a duas perspectivas: A primeira é a do local de nascimento, que revela vulnerabilidades em termos de desenvolvimento humano.
Já o segundo, é o da residência em locais em que constantemente há o aliciamento para o trabalho análogo ao de escravo, com ou sem deslocamento para outro ponto do território nacional.
Vendas de produtos em semáforos pode?
Partindo do princípio de que é crime expor a criança ou o adolescente a cenários de risco, a resposta é não. Isso porque a rua é um local extremamente perigoso para alguém tão novo ficar, seja com supervisão, ou não.
Nestes casos, qualquer pessoa pode e deve denunciar, seja para o Conselho Tutelar ou para o Creas (Centro de Referência de Assistência Social), por exemplo.
“Essas crianças devem ser vistas como vítimas. Muitas vezes essas crianças não estão sozinhas, em quase 90% dos casos tem um adulto fazendo exploração daquelas crianças, daquele adolescente, e ficam cuidando delas de longe. Esses adultos fazem esse tipo de exploração porque uma criança pedindo um dinheiro ou vendendo um produto, é muito mais apelativo do que se um adulto fizer”, explica Cândice.
Já nos casos em que os próprios pais fazem a exploração “podem responder por abandono e exposição a risco, já que ao invés de proteger o filho, estão expondo ao perigo”.
Trabalhos domésticos se enquadram em trabalho infantil?
Neste caso, depende. Se a criança ou o adolescente está em situação de colaboração nos serviços domésticos, não há problema algum. Ao contrário, é fundamental que ele aprenda e desempenhe tais funções, claro, sempre conforme sua idade e sem que seja colocado em risco.
Agora, o serviço doméstico se torna trabalho infantil quando a criança ou o adolescente perde os direitos prioritários devido à situação imposta.
Conforme Dados do Censo Demográfico 2010 (disponíveis no Observatório da Prevenção e da Erradicação do Trabalho Infantil), o estado possuía, 50,4 mil crianças e adolescentes trabalhando em situações precárias.
Eles tinham entre 10 e 17 anos, sendo 8,2 mil na faixa etária entre 10 e 13 anos. Conforme a pesquisa, 5,4 mil crianças e adolescentes foram identificados exercendo trabalho doméstico.
“Por exemplo, se uma menina mais velha não vai para a escola porque tem que limpar a casa ou cuidar dor irmãos mais novos, ela está sendo privado dos direitos dela a educação. Neste caso, é responsabilidade dos pais e também do Estado de prover meios que a permitam sair dessa realidade”, aponta a procuradora.
“Muitas pessoas vêm o trabalho como uma solução. Dizem que é melhor a criança ou o adolescente trabalhar ‘do que virar bandido’, como se só houvesse essa opção. Mas, na verdade, o trabalho precoce e precário só afasta essas vítimas da escola, sem oferecer as competências necessárias para o mercado de trabalho. Isso só gera mais subemprego e a pobreza só se perpetua”, acrescenta.
O olhar social pode salvar as vítimas
As crianças e adolescentes devem ser vistos com cuidado e preocupação. Situações como a de trabalho infantil não podem ser normalizadas.
“O senso comum ainda tem muito forte aquela opinião de achar que está tudo bem trabalhar na infância e isso aumenta dependendo a raça e a classe social da vítima. No entanto, é necessário pensar em alternativas válidas, garantir educação, esporte e lazer de forma efetiva”, pontua.
Vale lembrar ainda que a violência e o analfabetismo são os problemas sociais com mais aumento, consequências importantes do trabalho infantil.
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