Crise financeira assombra usinas da região e preocupa ciclo gerado por elas em cidades de MS

Duas usinas do setor sucroenergético passam por uma grave crise financeira na região de Dourados e assombram o ‘ciclo’ gerado por essas indústrias

Duas usinas do setor sucroenergético passam por uma grave crise financeira na região de Dourados e assombram o ‘ciclo’ gerado por essas indústrias. Elas empregam milhares de pessoas, possuem uma série de produtores rurais que lhes arrendam suas terras e fomentam a economia de suas cidades dando emprego a pequenos empreendimentos que prestam serviços. Diante do cenário apresentado, o questionamento: será que se tratam de casos isolados ou o problema reflete uma realidade de todo o setor? O Dourados News foi em busca das respostas.

As usinas são a São Fernando localizada em Dourados que atualmente pertence a um grupo árabe, e a Infinity Bio-Energy de Naviraí que tem como dona um grupo italiano. Ambas são alvos constantes do noticiário devido a problemas semelhantes, relativos ao cumprimento de suas obrigações com os trabalhadores.

SÃO FERNANDO

Na usina São Fernando, funcionários que pediram sigilo ao MPT (Ministério Público do Trabalho) procuraram o órgão para realizar denúncias que tratam sobre vales, como o de alimentação e plano de saúde. O Dourados News fez reportagem recente contando história de pessoas que tiveram os valores descontados na folha, mas não puderam fazer procedimentos de saúde porque a usina não repassou os valores à operadora.

Além desses denunciantes, também chegou à procuradoria um ofício do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Fabricação do Açúcar e do Álcool de Rio Brilhante, subscrito por representante do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias do Açúcar, Etanol e Bioenergia de Dourados e Ponta Porã. No documento as entidades reforçam a questão relativa aos vales e relatam problemas com contribuições fundiárias e verbas rescisórias.

As reclamações foram transformadas num procedimento sob responsabilidade da procuradora Candice Gabriela Arosio. Através desse, foi feita uma reunião com representantes da São Fernando. Segundo o MPT, a usina ficou de encaminhar até o final do mês alegações relativas ao parcelamento do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) em atraso junto à CEF (Caixa Econômica Federal).

Na semana passada, a empresa informou à procuradoria que os salários referentes ao mês de julho de 2015 foram pagos e que continuam as tentativas de conciliação com a empresa fornecedora do plano de saúde e dos demais benefícios, para que estes voltem a ficar disponíveis aos trabalhadores. A usina ainda informou que conseguiu a liberação em casos pontuais enquanto o plano estava suspenso, como três cesárias e um caso de acidente automobilístico.

Ainda de acordo com o MPT, caso a empresa não honre os compromissos assumidos com os funcionários, poderá ser acionada judicialmente a cumprir a legislação trabalhista. Além disso, está sujeita à condenação em dinheiro como forma de reparar a lesão coletiva causada aos trabalhadores.

INFINITY

A indústria Infinity também foi alvo recente de denúncias parecidas que chegaram ao MPT. As queixas ao órgão foram de atrasos de pagamento de salários, de férias, depósito de FGTS e demissão sem os pagamentos das verbas rescisórias. Os trabalhadores chegaram a bloquear a BR-163 para chamar atenção ao problema.

De acordo com o Ministério, existe uma ação desde 2011 em face dessa usina. Entre as obrigações dos pedidos da ação, estão as questões relativas ao pagamento de salários. “O MPT entrou com uma execução provisória para pagamento dos salários decorrente de sentença condenatória em face da empresa. Também foi pedido o bloqueio do Coperclube e de toda a cana plantada, que gira em torno de 700.000 toneladas”, disse. Além disso, foi pedido o bloqueio de valores em contas correntes de empresas integrantes do grupo econômico Bertin, do qual a usina faz parte.

O Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Açúcar e Álcool de Naviraí emitiu um comunicado no início deste mês informando que dos mil empregados da Infinity, 200 já haviam sido demitidos e não houve pagamentos dos encargos. Os 800 que permaneciam na empresa estavam há dois meses com salários atrasados.

PREOCUPA?

A situação tem impacto na economia das cidades em que as usinas estão instaladas. Um dos fatores é a questão dos trabalhadores e produtores rurais que arrendam terras, que consomem menos no comércio local e investem menos também em outras áreas devido à falta de pagamento.

De acordo com o economista Fábio Castilho que estudou sobre o setor sucroenergético em sua tese de mestrado, além dessa questão há ainda empresas que prestam serviços a essas usinas e estão deixando de receber. No entanto, ele ressalta que os maiores custos das indústrias são com manutenção que, na maior parte das vezes, é feita em cidades do interior de São Paulo, como Sertãozinho, Piracicaba e Ribeirão Preto, ou seja, o impacto em MS é menor.

O economista, porém, faz algumas ressalvas. O impacto econômico pode ser menor do que muitos imaginam. Isso porque tanto a indústria instalada em Dourados quanto a de Naviraí estão operacionalizadas, ou seja, funcionando mesmo com dívidas a pagar e ações na justiça. Outro fator é que as duas cidades não dependem exclusivamente desses empreendimentos, há outras áreas que as sustentam.

Para Castilho, o principal impacto gerado é o descrédito que acaba sendo atribuído a todo o setor. “Fica aquele estigma de que usina não paga. Isso é ruim, porque não é a realidade de todo o setor. Dessa forma, muitos podem perder oportunidades de negócios com as indústrias ou até boas oportunidades de emprego, porque acham que não vão receber”, diz.

As usinas de Mato Grosso do Sul como um todo passam sim por um momento de contenção de gastos, devido às questões relativas à falta de uma política de incentivos para o setor por parte dos governantes e também por conta da crise econômica que acomete todo o país. Mas, os efeitos não são diferentes dos de muitas outras empresas atualmente: redução nos custos e da folha de pagamento.

Na visão do economista, o que acontece com as usinas de Dourados e Naviraí é diferente, essas são casos isolados das demais e passam por uma situação mais grave motivada pela má gestão dos empreendimentos. “Empresa nunca é para dar prejuízo, ela é feita sempre para dar lucro. O que acontece é que se você não tem uma boa gestão ou uma mão de obra para tocar, acaba tendo prejuízo”, acredita.

A São Fernando é uma usina considerada nova e foi edificada como uma das melhores da região, atualmente sob a gestão de um grupo dos Emirados Árabes Unidos. Já a Infinity pertence hoje a um grupo italiano, mas é uma planta mais antiga, porém boa, só que com maiores necessidades de investimentos para operacionalização.

Apesar da crise financeira, a chance dessas usinas fecharem existe, porém é muito pequena. “É muito difícil isso acontecer”, afirma Castilho. Com base em experiências de outros empreendimentos do tipo e realidade do mercado em todo Brasil, o mais provável é que os grupos continuem operacionalizando em regime de concordata, arrumem sócios ou até mesmo vendam as empresas. “Pode acontecer? Pode. Mas, é muito difícil fecharem as portas já que é um investimento muito grande”, explica o economista.

A reportagem entrou em contato com a Biosul (Associação dos Produtores de Bioenergia de Mato Grosso do Sul) que representa as usinas de Mato Grosso do Sul, mas não obteve resposta até o fechamento dessa reportagem.

Também foi feito contato via e-mail com a São Fernando e tentativa de conversa por telefone com a Infinity, em Naviraí, por telefone, mas em ambas, também não houve respostas.

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