Estado chega aos 39 anos sem superar gargalos históricos

Mato Grosso do Sul segue contornando os obstáculos ao crescimento em razão da crise econômica que afeta o Brasil, mas não há nenhuma fórmula mágica para superar as dificuldades, segundo o governador Reinaldo Azambuja. Basta, segundo Reinaldo, planejar e administrar à luz da realidade. Num momento de queda de receita a estratégia é ajustar os gastos e manter o equilíbrio das contas. Nesse quadro de dificuldades é natural que muitas demandas acabam sendo represadas, mas o governo tem que buscar meios para assegurar a eficiência em suas ações, daí a importância da gestão planejada. Nessa entrevista o governador fala como Mato Grosso do Sul está se sobressaindo e despontando como um Estado capaz de superar as dificuldades financeiras e atrair investimentos da iniciativa privada.

Correio do Estado – Governador, a notícia que se veicula a todo momento é que alguns estados estão com suas economias estagnadas, arrecadação em declínio e sem condições de pagar seus servidores. Em MS o quadro é bem diferente. Qual é o segredo dessa aparente estabilidade?

Reinaldo Azambuja: Quando decidimos disputar o governo buscamos saber o que a população esperava de uma nova gestão. Com o diagnóstico começamos a trabalhar um plano. Antes de assumir não se tinha ideia de algumas situações, como o desequilíbrio entre receita e despesa. Depois é que percebemos que o cobertor realmente era muito curto, como diz o ditado popular. Decidimos, então, estabelecer uma gestão à luz da realidade, cortando despesas de custeio e com funcionários comissionados, planejando os investimentos naquilo que era prioritário, sem perder de vista o cenário que se apontava. Com esse foco seguimos administrando, planejando e buscando o empenho da equipe para elevar a eficiência da gestão. Acreditamos que a capacidade do Estado de atrair novos empreendimentos e gerar emprego e renda se deve a essa conduta de responsabilidade com o dinheiro público e determinação de estender o braço do Estado ao setor privado, buscar parcerias e incentivar os novos empreendimentos.

CE – A herança administrativa de certa forma prejudicou os planos de governo? Passados quase dois anos ainda há obra da gestão passada sem concluir?

Reinaldo Azambuja – A herança obrigou o retardamento de algumas ações, mas não nos afastou do objetivo de realizar um governo voltado às pessoas. A primeira providência nossa foi fazer o inventário. Logo na transição percebemos que teríamos que ser criativos para superar os problemas orçamentários com tantas obras paradas. Já concluímos quase 100% e ainda planejamos quase 200 ações que serão concluídas este ano, todas dentro dos prazos de execução definidos em contratos de gestão assinados pelos nossos secretários. Nossa equipe não tem papel decorativo. É uma equipe que tem compromisso com prazos definidos e capaz de trabalhar sob pressão. A administração pública não é diferente da gestão privada. Planejamos e estamos executando ações em todas as áreas, com prioridade na saúde, educação e segurança pública, além de infraestrutura para dar suporte às atividades produtivas, como pavimentação de estradas, reforma e construção de pontes e dutos de gás natural. Investir naquilo que é prioritário é respeitar o sacrifício dos contribuintes que pagam imposto. O esforço do primeiro ano valeu a pena, conseguimos realizar 65% das metas e concretizamos dezenas de iniciativas planejadas.

CE – Mato Grosso do Sul tem alguns atrativos, como a biodiversidade, grandes áreas agrícolas e de pastagem e consolida novos polos industriais, mas do ponto de vista social e econômica ainda há desigualdades regionais. Como seu governo vê a geografia do desenvolvimento de MS?

Reinaldo Azambuja – Desde o início tenho dito que o Estado precisa redistribuir as riquezas e como atingir esse objetivo. Temos que estimular a vocação de cada região e incentivar os investimentos privados de acordo com a atividade econômica local. Em Três Lagoas, por exemplo, a principal demanda do conglomerado de celulose é por eucalipto, então devemos estimular a cadeia florestal, atraindo para a região as indústrias de produtos florestais, celulose, papel, MDF, carvão para a siderurgia e assim por diante. No caso do turismo, devemos estimular outras regiões com potencial, além do Pantanal e Bonito. Em Cassilândia, com a expansão dos seringais, deve se instalar naquela região um grande polo de industrialização do látex para produção de borracha. O Estado tem um potencial muito diverso que pode desencadear processos industriais no setor de alimentação, carne, bioenergia, fiação e tecelagem, indústria calçadista e do vestuário e serviços. No caso do turismo, até Campo Grande está desenvolvendo esse setor, na área de eventos de negócios, científicos e serviços. Está muito claro para nós que toda essa gama de atividades econômicas precisa do braço do governo no sentido de dotar o Estado de infraestrutura viária, de transporte e energia, para que nossos produtos tenham competitividade, possam chegar aos grandes centros consumidores e gerar emprego e renda.

CE – O Estado comemora 39 anos e desde sua criação se projeta pela bovinocultura e produção de soja e milho. Nos últimos 10 anos começou a desenvolver a indústria do agronegócio. Na sua opinião, qual é o grande desafio hoje para fortalecer a economia de Mato Grosso do Sul?

Reinaldo Azambuja – Nosso Estado, do ponto de vista geopolítico, representa algo em torno de 1,4% do PIB nacional e 1,2% da população do País. Mas se analisarmos as estatísticas de produção e as taxas de crescimento, está entre as principais economias do país. O Estado tem a segunda maior reserva de ferro, a terceira maior reserva de manganês e mantém a balança comercial superavitária. É público e faz parte de estudos que encomendamos, a constatação de que o Estado, apesar das diferenças regionais, fazer fronteira com dois países produtores de drogas, tem uma localização estratégica que desperta muita atenção dos investidores, que preferem instalar indústrias em áreas com menor densidade urbana, mas que tenham logística de transporte. Entendemos que o grande desafio reside nesse ponto. É preciso melhorar o caminho que leva nossos produtos aos grandes centros consumidores, aos portos. O Estado tem apenas dois troncos ferroviários, um deles deficiente. Mato Grosso do Sul precisa de um sistema multimodal. Quanto melhor a logística de transportes, mais competitiva se torna a produção. Reconhecemos também que a indústria de segunda e terceira gerações enfrenta o problema da mão de obra qualificada. O fortalecimento da economia do Estado passa pela infraestrutura viária e portuária, incentivos fiscais e capacitação de mão-de-obra. Nesse aspecto a educação avança, com cursos técnicos de nível médio, que também são oferecidos de acordo com o perfil da economia dos municípios.

CE – E do ponto de vista político, Mato Grosso do Sul avançou com o desmembramento do antigo Mato Grosso?

Reinaldo Azambuja – Acho que foi bom para o norte e para o sul. As grandes distâncias geram dificuldades ao Estado no dever da prestação de serviço. Além do isolamento das comunidades distantes, é muito mais difícil executar obras. MS e MT ganharam mobilidade e capacidade plena para desenvolver suas economias. Mato Grosso com seu potencial agropecuário e Mato Grosso do Sul com sua vocação agroindustrial. O que falta é o ajuste para que a administração pública possa atender aos anseios da população, que busca emprego, saúde, escola para os filhos e, fundamentalmente, qualidade de vida e perspectiva de futuro. Qualidade de vida significa acesso aos serviços básicos de saúde, emprego e renda, educação, moradia, segurança e lazer. É bom lembrar que segurança não se faz apenas com o policial nas ruas, mas também com salário e condições de trabalho a esse policial, habitação não se faz apenas com um abrigo, mas com uma moradia cercada de serviços públicos como transporte, escola, comunicação, saneamento básico, água e esgoto, áreas de lazer e parques esportivos.

CE – Como o governo vai inverter a lógica da crise, assentada pela retração da receita e crescimento, mesmo que vegetativo, das despesas e gastos públicos?

Reinaldo Azambuja – É bom lembrar que a União tem parcela de culpa pela situação de penúria dos estados e municípios. Há uma excessiva concentração das receitas públicas e distribuição injusta das responsabilidades. Dou como exemplo o conflito indígena. A solução está em adquirir terras. Se forem desapropriadas é imprescindível indenizar pela compra da terra nua e suas benfeitorias. Essa discussão ainda patina nos corredores ministeriais e por ser uma questão da esfera federal, o Estado fica como uma espécie de para raio. A pressão começa no campo e desemboca no Governo do Estado. O sistema penitenciário é outro peso nos ombros do Estado, que arca com os custos da execução penal de sentenciados por crimes federais, como o tráfico internacional de drogas. Nossa opinião é que precisamos rever o pacto federativo e estabelecer critérios justos na gestão compartilhada da saúde e da educação, que têm investimentos indexados à receita líquida, em percentuais que fragilizam principalmente os municípios, muitos deles com apenas uma fonte de receita, a do ICMS, que diminui na medida que a recessão econômica se prolonga.

CE – Como então o governo vai resolver o déficit orçamentário?

Reinaldo Azambuja – Como eu disse no início, a eficiência da gestão está no planejamento. Temos que projetar a receita conforme a realidade, não se pode contar com aquilo que não virá. Todo planejamento tem que ser realista. Os investimentos a mesma coisa, não vamos anunciar aquilo que o Estado não conseguirá fazer. O governo tem que ser eficiente em todos os sentidos. Arrecadar com eficiência, combatendo a sonegação, isso não significa aumentar imposto e na hora de gastar, ser racional. Uma obra parada ou mal executada custa mais do que foi orçada. Nesse momento de crise, no entanto, o Estado não pode cair no imobilismo. No mínimo tem que fazer o dever de casa.

CE – O primeiro ano de governo foi marcado pela mobilização de todas as estruturas do Estado para acabar, como o senhor dizia, com a fila da vergonha, formada por pacientes que por vários anos aguardava um procedimento cirúrgico e até mesmo uma consulta com especialista médico. Isso exigiu investimento em estrutura, porque o atendimento foi itinerante, e gastos com divulgação. Valeu a pena?

Reinaldo Azambuja – Tanto valeu a pena que nosso modelo de ação para “zerar” a demanda reprimida por assistência médica hospitalar está espelhando ações em outros Estados. O que se tem que observar é o alcance social da Caravana da Saúde, não pelo gigantismo da estrutura necessária para zerar uma fila que remontava aos primeiros anos de criação de Mato Grosso do Sul. Mas pelo sentido da dignidade. Nenhum governo foi capaz de estender o braço do Estado à população desassistida. Será que era cômodo? Acredito que não. A verdade é que tivemos a determinação, o compromisso e a vontade de fazer. Nenhum governante pode ser tão insensível diante de uma demanda não atendida e que envergonhava. Reconhecemos que a demanda vai continuar, pois a questão da saúde vai esbarrar sempre na lentidão do Estado. É como o déficit habitacional. O prazo e tempo hábil para construir uma casa são mais longos que a necessidade. Mas estamos nessa competição desenfreada. Avançamos na redução da fila e estamos investindo forte na ampliação da rede de saúde básica e hospitalar.

CE – Da forma como o senhor fala, fica a dúvida: o Estado tem dinheiro para avançar, mesmo focado apenas no que é prioritário?

Reinaldo Azambuja – Estamos avançando e o resultado é bom. Voltamos ao início dessa entrevista. Eficiência pressupõe um conjunto de providências. Uma delas é buscar alternativas, parcerias. Por isso estamos inaugurando no âmbito da administração em Mato Grosso do Sul a Parceria Público Privada. Não se trata de privatização e nem de concessão de serviço. O setor privado pode investir, como deve investir por exemplo em obras de rede de água e esgoto. Se no primeiro momento não podemos pagar com a receita orçamentária, vamos cobrir o investimento a longo prazo com a receita da empresa de água. É bom que se esclareça que nosso governo não faz nada que a lei não permita. A administração obedece a todos os princípios legais e vai usar todos os meios amparados por lei para cumprir com a obrigação de atender as necessidades de progresso e desenvolvimento do Estado, voltado para as pessoas, para o progresso social justo, com oportunidades, qualidade de vida e perspectivas de futuro. Sonhamos com um futuro melhor, mas com os pés no chão, mostrando que a universalização do saneamento básico demandaria até 45 anos nesse quadro de escassez de recursos. A Parceria Público Privada reduz esse tempo para 8 a 10 anos.

CE – O que o Estado espera da União para conseguir fazer a travessia da crise sem o risco da ruína financeira?

Reinaldo Azambuja – Da União queremos apenas a definição de regras justas, com a distribuição das tarefas e responsabilidades. O refinanciamento da dívida é uma questão vital para nós. Não é possível que os estados mais ricos, com maior capacidade de investimento e até de endividamento sejam tratados preferencialmente. Fazemos parte de um bloco de 23 estados que ainda não tiveram a dívida ajustada. O refinanciamento da dívida vai implicar na redução dos juros e isso nos assegura capacidade de investimento. O dinheiro que sai pelo ralo para amortização de juros tem que ser direcionado aos investimentos em infraestrutura e obras sociais. Contar com recurso orçamentário do governo federal é muito difícil, os repasses só vêm diminuindo em razão da queda na arrecadação. O grande desafio para o nosso governo é melhorar o perfil da dívida e restabelecer a capacidade de investimentos do Estado para tocar as obras que vão, de um lado melhorar as condições de vida da população, e de outro lado, garantir suporte aos empreendimentos da iniciativa privada.

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