Não são apenas as apostas online que escondem vícios perigosos e difíceis de se livrar. Abuso de álcool, drogas, apostas em jogos de azar - mais comuns - e até de procedimentos estéticos podem se tornar uma compulsão que destrói as finanças, o emocional e mesmo a família de quem é vítima e se vicia.
Advogada especializada em divórcio, Giuliani Rosa de Souza Yamasaki, atua há 18 anos na área e conta que pelo menos 10% de todos os casos que já acompanhou ao longo desses anos, se referem a famílias desfeitas por causa dos vícios. “Dos que acompanhei, sempre os homens é que eram as vítimas do vício. Eles vendem imóveis, automóveis para quitar dívidas e continuarem jogando”, contou.
Em caso recente e que a surpreendeu, a esposa buscou a separação, após nove anos de casamento e um filho em comum, porque o ex-marido estava viciado em procedimentos estéticos. Houve empréstimos e gastos que chegaram a R$ 800 mil para realização de lipoaspiração em várias partes do corpo, abdominoplastia, preenchimentos no rosto, botox, implante de cabelo, entre outros.
Conforme Giuliani, o homem contraiu várias dívidas em empréstimos consignados que foram sendo renegociados, até chegar aos R$ 800 mil. “Além dos procedimentos estéticos, ele fez dívidas para compra de roupas, calçados e joias. Tudo em prol de vaidade”, sustentou.
A cliente de Giuliani não quis conversar com a reportagem, mas a defensora relata que a esposa não aguentava mais e decidiu se separar quando percebeu que não importava o que fosse feito, o ex-marido não ia parar.
Também foi quando se deu conta de que toda conversa, terapia e insistência em ajudar o ex-marido para se livrar dos jogos de azar não dava em nada que Cíntia (nome fictício) decidiu abrir mão do relacionamento de 22 anos.
No começo do relacionamento eu achava que era só um hobby, mas depois percebi que não. Ele sumia por dias jogando”, contou.
A gota d’água foi ele passar dois dias em uma chácara jogando, há quatro anos atrás, após inúmeras tentativas de fazê-lo largar o vício. “Ele voltou, mas eu não deixei mais ele entrar em casa”.
O casal teve um filho e ela conta que tentou o que pôde para que o ex se livrasse do vício. Mantido pelos pais, que pagavam as dívidas que ele contraía, somente Cíntia trabalhava para manter a família. “Ele nunca trabalhou, na verdade. O pai dele abria um negócio e colocava ele como responsável, mas nunca ia pra frente”, relatou a mulher, que desenvolveu depressão depois de tantos anos de relacionamento.
Ela conta que os “sumiços” do então marido eram frequentes e ela começou a ir atrás, vasculhava conversas dele nas redes sociais e descobriu que até organizando jogos ele estava. “Não era mais apenas à noite que ele jogava, era durante o dia. Começou com poker, depois passou a jogar online, fazia apostas de futebol, pelo celular”, contou.
Cíntia ressalta que o ex-marido “até ganhava” algum dinheiro, mas “sempre perdeu mais do que ganhou, não construiu nada”. Eles foram até o grupo de Jogadores Anônimos aqui em Campo Grande há alguns anos e ela achou que o ex-marido teria entendido que era um viciado.
“O diretor fez ele responder um questionário que avaliava o grau de vício e ele respondeu sim a quase tudo. Ele começou a chorar igual criança e achei que ele tinha caído na real. Mas quando vi, no outro dia ele estava jogando de novo”, lamentou.
Acompanhamentos com psicólogo e psiquiatra o rapaz sempre rejeitou e aceitou começar a terapia apenas quando Cíntia pediu a separação. “Ele perdeu meu carro, fez dívidas, roubou folhas de cheque. Só nos cheques perdi mais de R$ 30 mil, fora os consignados que tive que fazer para cobrir as contas”.
Hoje, divorciada há quatro anos, ela ainda sofre porque o desequilíbrio do ex-marido não é apenas em relação aos jogos. Ele passou a persegui-la por não aceitar o fim do casamento e até medida protetiva ela obteve contra ele. Em depressão severa, ela saiu do emprego de 15 anos porque ele a incomodava até lá.
“No ano passado, pela primeira vez, acho que ele entendeu o problema e jurou a nosso filho que nunca mais jogaria. Ele quase foi preso”, contou.
Vítima - De Três Lagoas, Jorge (nome fictício) faz parte de um grupo nacional de ajuda a viciados em jogos online. “É pior que vício em droga”, sustenta.
Ele não tem ideia de quanto perdeu nos últimos cinco anos, mas conta que eram de R$ 300,00 a R$ 500,00 por mês, pelo menos.
A gente pensa que vai dobrar o salário, que vai ganhar dinheiro fácil, mas é tudo mentira. A plataforma é feita pra ganhar de você. O sistema, ele ganha sempre. Eu cheguei a ganhar várias vezes, mas é um dinheiro amaldiçoado, porque volta pro mesmo lugar e você perde tudo de novo”, confessa.
Livre há poucos meses, ele conta que está se apegando a Deus e ao trabalho para manter-se longe do vício. “Eu estou tranquilo e se eu puder ajudar alguém a sair desse vício, eu vou fazer”. Ele não quis comentar as relações com a família em relação ao vício.
Buscando ajuda - O grupo de apoio Jogadores Anônimos funciona em Campo Grande na Rua Maracaju, 249, sala 1. O contato é (67) 98473-1321.
Comentários
Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.